Os Veteranos da Polícia Militar contam suas histórias
O jeito franzino dos seus 91 anos de idade é apenas mera aparência do 1º Sgt PM, Josué Salgado de Vasconcelos, o “Pernambuco”. Ele ainda mantém o olhar firme e o enérgico vozeirão dos velhos tempos em que cuidava da segurança dos moradores da pequena Sabaúna, Distrito de Mogi das Cruzes. “Foram 30 anos e 18 dias”, disse. O apelido “Pernambuco” surgiu por causa da sua terra natal, Garanhuns, no agreste do Estado. Lá, ele e sua família trabalhavam na roça. Em 1948, na busca por melhores condições de vida, o então jovem de 21 anos veio num “pau de arara” para tentar a sorte em São Paulo, e entrou para o Exército, se alistando em Tupã.
Naquela época, havia muita vaga de emprego para quem quisesse ingressar na Polícia Militar. Foi aí que o “coração policial” de Pernambuco bateu mais forte.
Não pensou duas vezes em pedir baixa, e logo entrou para a Academia do Barro Branco. Depois, foi prestar seus serviços em Taubaté, e veio para Mogi das Cruzes. Ficou em Sabaúna, onde montou a sua família: dois casamentos, três filhos e netos.
“Pernambuco”, ou melhor, o soldado Vasconcelos, trabalhava sozinho, mas “com a ajuda de Deus”, conseguia manter a ordem no Distrito. Armado, fazia o patrulhamento com bicicleta. “Eu dormia fardado, e só ficava 10 dias de férias”, conta. Mesmo assim, ele continuava atento à segurança do Distrito, e se fosse preciso, entrava em ação. “Nunca deixei ninguém na mão”, conta.
“Pernambuco” só acionava os seus superiores se acontecesse alguma emergência. Do contrário, ele mesmo resolvia, sem precisar encaminhar à delegacia. “Tinha que dar conta do recado, fazer o que? O que manda é a prática, o saber fazer”, falou.
Quanto a isso, ele tirava de letra, ainda mais quando os bandidos o subestimavam pela baixa estatura física. Só que um deles se deu mal em uma ocorrência, pois foi dominado por “Pernambuco”.
Quanto às situações inusitadas, “Pernambuco” lembrou quando foi ajudar um homem a cavar um poço de quase 16 metros de profundidade. “Pernambuco” ficou dentro do buraco retirando os baldes cheios de terra. Até aí, tudo bem. O problema surgiu quando o homem que pediu a sua ajuda, saiu de repente para acudir uma criança, e demorou para retornar. “Pernambuco” afirmou que passou um bom tempo dentro do enorme buraco, temendo pela sua segurança.
“Não tinha para onde correr”, disse. Sorte a dele que o homem voltou, e o retirou de lá.
Humberto, o alfaiate das fardas militares
“Cadê o giz?”, perguntou o 1º Sargento PM, Humberto de Arruda Albano, de 86 anos, à esposa Dejanira, enquanto preparava seu material de alfaiataria. “A blusa está boa para sair na foto?”, questionou, antes de posar para as fotos desta revista. A preocupação de Albano com tantos detalhes é típica da alfaiataria, cuja profissão foi abraçada por ele ainda criança, e que prosseguiu ao longo dos seus quase 31 anos na Polícia Militar.
Natural de Maranguape, no Ceará, ele estudava na Escola de Aprendizes da Marinha. Uma fatalidade na família que envolveu um dos seus irmãos, fez com que a mãe o tirasse de lá, e assim vieram para São Paulo, a fim de retomar a vida. Habituado com linhas e agulhas, ele logo conseguiu um emprego nas Lojas Garbo, trabalhando na alfaiataria. Depois, arrumou outro emprego numa fábrica de roupas. Passou a confeccionar suas próprias roupas e, até hoje, veste os seus ternos costurados com elegância e bom gosto.
“Nesta fábrica, uns colegas almoçavam na casa de um sargento aposentado. Ele abriu uma escola da Polícia Militar, só que naquela época, era chamada de Força Pública. Então, ele perguntou se queríamos entrar lá. Fizemos os exames, e só eu passei”, conta ele.
Já no quartel, todos souberam do talento de Humberto, ou melhor, soldado Albano, na alfaiataria. Não demorou muito para que ele assumisse a confecção das fardas militares, cujo serviço era feito nas suas folgas. Afinal, a sua atenção e cuidado para lidar com roupas eram elogiados. “Eu ganhava mais nas minhas folgas do que como policial”, recorda ele, completando que costurava roupas até para as esposas e familiares dos policiais. E quando estava de serviço, principalmente no Pelotão Especial, ia para as ruas somar esforços no policiamento.
“Houve um assalto em Calmon Viana. Fui auxiliar a vítima, e levei dois tiros no joelho e um no braço”, lembrou. O bandido foi preso. Outra ocorrência marcante foi um incêndio em uma fábrica de papelão. “Entrei lá no meio do fogo para socorrer as vítimas, e me lembro que o comandante gritava “Beto, volta! Volta porque o Estado vai pagar os estragos”, disse. Ele voltou, e trazendo as vítimas consigo. Como inalou muita fumaça, precisou ficar internado, e logo voltou para o serviço. Devido aos méritos da sua carreira, já em Poá, Albano assumiu a segurança do Fórum, onde era o primeiro a chegar e o último a sair.
“No meu tempo, o policial militar era mais respeitado. Eu me adaptei a tudo isso e não posso reclamar em nada do serviço público, pois sempre fui muito bem atendido”, concluiu ele. Casado e tataravô, Albano sempre está presente nas causas militares.
Recentemente, ele acompanhou a comitiva da Associação dos Oficiais, Praças e Pensionistas da Polícia Militar do Estado de São Paulo (AOPP) até a Assembleia Legislativa na capital, onde foi aprovada a PEC 02/2018 que limita o percentual de diferença salarial entre os postos e graduações dos policiais militares.
Do circo à Polícia Militar – Tostão, o Policial Militar Acrobata
“Não adianta erguer o pé porque estou de olho em você”, avisou o oficial examinador da Força Pública para aquele rapaz que mal chegava a 1,50 metro de altura. Era o jovem Jorge Leme do Prado que, aos 22 anos de idade, havia acabado de resolver um impasse na sua vida: ser artista de circo ou policial militar? Ele fez a segunda opção e assim, em 1950, deixava a Central do Brasil para ingressar na carreira militar. Mesmo com a baixa estatura física? Sim.
Jorge, hoje aos 89 anos de idade, conhecido como “Tostão”, é 2º Tenente PM, e atuou grande parte dos seus 30 anos de carreira no policiamento de motocicleta. Fez escolta para grandes autoridades políticas, como o ex-presidente da República, Jânio Quadros e o líder cubano Fidel Castro.
“Tostão” tem muitas histórias para contar da sua carreira. “Fui para o Batalhão da Guarda, e lá tirava do meio-dia até o dia seguinte, e se tivesse prontidão, continuava lá. Já fiquei seis dias lá, e naquela época, a gente fazia escolta com aquelas baionetas. Fazíamos instrução todo dia, com mochila, fuzil, etc”, disse.
Outra curiosidade é a origem do seu apelido. “Ganhei esse apelido no Exército”, explica, contando que foi surpreendido pelos colegas com uma mulher, e um deles gritou “esse tostãozinho não vale nada”. E a expressão caiu como uma luva para identificar o irreverente policial.
Quando surgiu a oportunidade de ir para o Pelotão de Motociclismo, a alegria de “Tostão” , um motoqueiro nato e habilidoso em acrobacias, durou pouco. “Fiquei muito aborrecido porque eu era acrobata, passei nos exames teóricos e o outro que mal sabia andar de moto, tirou dez! Então, fui para a Polícia Florestal, onde me promoveram a cabo motociclista. Depois prestei exames para sargento”, comentou.
“Tostão” lembrou que naquela época, aprontava muito para ser expulso da Força Pública. Era rebelde. “Eles não me mandavam embora de jeito nenhum, e uma vez, colocaram no meu boletim que eu estava preso. Aí pensei se ficava de vez ou se saía da polícia. Então decidi ficar”, recordou.
Como o seu desempenho com motociclismo era notável e admirado pelos colegas e superiores, “Tostão” era sempre chamado para trabalhar nas escoltas. “Já fiz escolta de oito governadores, como o Lucas Nogueira Garcez e Laudo Natel”, afirmou. Também já escapou de muitos acidentes de trânsito. “Caí várias vezes de moto. Numa delas, parei debaixo do caminhão e fui segurando no tanque. O caminhão continuou me arrastando e quando parou, o motorista saiu gritando “ ai, matei o guarda”; e aí saí debaixo falando “não matou não, estou aqui”. O povo ficou espantado”, comentou rindo.
Hoje, “Tostão” é viúvo, pai de três filhos, oito netos e 9 bisnetos. Questionado sobre a situação do policial militar naquela época com os dias atuais, ele respondeu que nada mudou. “A gente fazia bico naquela época para sobreviver. Passamos seis meses tomando café preto com farinha de milho, pois não dava para comprar pão. Só melhorou quando comecei a fazer os bicos”, concluiu.
Conheçam Cabo Florentino, o “Baretta” da Polícia Militar
Quando se fala em vocação policial, ou melhor, sobre o “sangue policial”, a sua força jamais deve ser subestimada porque ela é real. E mais: é hereditária. Uma prova disso é a família do Cabo PM, Benedito Marcos Florentino de Barros, de 70 anos, o “Baretta”. Aposentado há 20 anos após 25 anos de carreira militar, ele nasceu em “berço policial”, onde seus antepassados atuaram nas Polícias Civil e Militar, e hoje, seus filhos e sobrinhos mantêm esse legado profissional, atuando na Segurança Pública.
“O meu avô foi investigador da Polícia Civil”, comentou ele. O apelido “Baretta” foi dado carinhosamente pelos colegas por causa de sua semelhança com o personagem policial Tony Baretta, de um seriado americano nos anos 70.
Então, o jovem Florentino ingressou na Polícia Militar, iniciando sua formação em Taubaté. De lá, foi trabalhar no 2º Batalhão de Polícia Militar “Dois de Ouro”, na Capital, onde permaneceu por dois anos. Posteriormente, passou para a Guarda do Palácio do Governo de São Paulo, atuando na segurança pessoal do governador. Nesse ínterim, ele foi promovido a Cabo após seis meses de dedicação na Escola de Cabos na Cavalaria, em 1985.
O Cabo PM Florentino foi transferido para a Polícia Florestal, e voltou para Mogi das Cruzes, trabalhando no Tático Móvel. “Nunca trabalhei interno”, comenta, destacando sua atuação em ocorrências de grande repercussão, como um assalto numa residência no bairro do Mogilar, onde o bandido tomou a vítima como refém. De arma em punho, Florentino coordenou as ações de modo que a ocorrência terminou com sucesso.
Outra ocorrência que ele recordou foi o roubo de 32 armas pertencentes a um colecionador. O crime aconteceu em Taiaçupeba. Os bandidos jogaram as armas dentro de uma charrete, e fugiram empurrando o transporte para o meio da mata. Para a equipe do Cabo Florentino, não foi difícil capturar os marginais.
“Eu desenhei o tipo do pneu dessa charrete e, sentado no capô do Fusca (veículo da PM naquela época), seguimos o rastro que ela deixou na estrada. Foi um percurso de 9 quilômetros assim, eu sentado no capô do Fusca, de olho no rastro”, comentou. Florentino também trabalhou em Salesópolis, onde guarda lembranças especiais. Uma delas aconteceu quando andava pelas ruas com um fardamento especial, e ao passar por um grupo de moradores que estava sentado na calçada, todos se levantaram para cumprimentá-lo. “Isso mostrou que ainda existe respeito pela farda”, finalizou.
A reportagem está na edição 20 da Revista AOPP.
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